CONTINUAÇÃO DA PARTE
II-A
Relação social
alienada: situação marcada pela indiferença recíproca entre as
pessoas, pela ausência de troca de experiências e sentimentos verdadeiramente
humanos.
Ora, o ser humano é,
por natureza, um ser gregário. Visto por esta perspectiva, estamos no campo da
ecologia, isto é, da relação do ser com o seu meio ambiente e suas
conseqüências. Porém para darmos conta
das sutilezas conceituais desse sistema ecológico que nos envolve é necessário
revezarmos teorias antropológica, ecolinguística e sociolingüística. Do ponto
de vista antropossociológico os ser humano se socializa por interesse comum e
dependência recíproca. Esse processo de dá por meio da comunhão. O espírito de
comunhão tem base instintiva e parte da
necessidade de identificação e sobrevivência da espécie.
Ainda assim, há relação
social alienada quando os contados interpessoais se reduzem apenas ao ritual
social da comunhão fática. Esta expressão foi apresentada, inicialmente, pelo
antropólogo polonês Bronislau MALINOUSKI (1972) para se referir a um tipo de
comunicação na qual se estabelece contatos sociais por mera troca de palavras.
E por falar em palavras já entramos em territórios lingüísticos. Neste âmbito,
afirmamos que a maioria dessas expressões, utilizadas no dia-a-dia nos contatos
interpessoais, são ritualísticas e perfunctórias. Entre outras opções,
recorremos às obras lexicográficas do Aurélio Buarque de Holanda para
legitimarmos uma definição da palavra perfunctório
e extrairmos, em seguida, um excerto, por ele apresentado, para exemplificar
sua definição:
Perfunctório é o que se faz como simples rotina funcional, e
não por necessidade ou visando a um fim útil; superficial, ligeiro:
“Como
orador sagrado, Macedo deveu a popularidade de que gozou a um falso brilho no
fundo das idéias, e sobretudo a essa instrução perfunctória que começa a
invadir a capital e que é mais danosa às letras do que a ignorância” (Alexandre
Herculano, Opúsculos, IX, p. 15.)
Não obstante as
situações ilustrativas mencionadas acima,
a comunhão fática pode ser positiva quando servir (de rapport)
a um tipo de interação preparatória
a outras formas de interação. São exemplos de
comunhão fática nas ciências da linguagem as expressões de saudações tais
como: - “Bom dia, como vai?”; - “Oi, tudo bem?” Expressões como estas podem está no plano da
alienação quando o propósito de seu uso tem outras finalidades. Por exemplo, um
colega de trabalho chega e diz: - “Bom dia!!!” Quando na verdade ele não está
interessado nisso, mas na intenção de lhe dizer que veio ao serviço. Ele poderá
no futuro precisar do testemunho do colega quanto a sua presença ao trabalho, caso isso seja
necessário.
Entretanto, o mais
grave nas relações sociais alienadas é o estado generalizado de
impassibilidades ou indiferenças recíprocas entre as pessoas. Segundo COUTRIM, elas não são nem muito amigas nem inimigas.
É muito comum hoje em
dia um cidadão presenciar com indiferença atos de crueldades contra pessoas e
animais. Mas, lá na frente, quando chegar a seu ambiente de trabalho, esse
mesmo cidadão que passou indiferente a um ato cruel que presenciou,
cumprimentará seus colegas de trabalho mui “cordialmente”.
Outro ponto que merece
nossa atenção nessa categoria é a forma distorcida como nós, brasileiros, percebemos
o cidadão estrangeiro. Vemo-lo como se envolto a uma aura de raça e cultura
superiores. Esse fenômeno chama-se, nas ciências sociais, de xenofilia.
Xenofilia é um estado
psicológico fundamentado na cultura, principalmente, de países pobres e,
também, de países emergentes. Portanto, é um problema social. Esse transtorno
psicossocial se caracteriza como uma
supervalorização e adoração por pessoas e culturas estrangeiras, especialmente de
países ricos. O xenófilo se vê como um cão
vira-lata perante qualquer pessoa estrangeira, porém extremamente arrogante
perante seus conterrâneos e altamente crítico quanto a sua própria cultura. Por
outro lado, naqueles países ricos, esse fenômeno se dá de forma inversa:
xenofobia – aversão a estrangeiros.
Recentemente, ocorreu
algo aqui no Brasil que ficará, acreditamos, como um exemplo clássico de como
os brasileiros são alienados nesse sentido. O famoso ator estadunidense de
filmes medíocres Sylvester Stallone
quando em sua rápida visita ao Brasil, fez a seguinte afirmação, talvez
até para nos despertar: “filmamos no Brasil porque lá você (nós estrangeiros)
pode machucar as pessoas enquanto filma”. “Você (o estrangeiro) pode explodir o
país inteiro e eles ainda dizem para você:
‘obrigado’ e tome aqui um macaco para você levar para casa”. Esta
situação se consagra, por ter vindo de uma pessoa famosa, como um exemplo
clássico que nos mostra, na sua íntegra,
em que ponto se encontra o nível
de alienação cultural do povo brasileiro: ALTÍSSIMO.
Faremos um hiato, aqui,
neste texto, para acrescentarmos um comentário extra a esse respeito: Por que
os alienados, no Brasil inteiro, ficaram tão ofendidos com o comentário do
Stallone? Ora, por mais leigo que se possa ser em psicologia, logo nos vem à
mente o fato de que nos angustiamos com a percepção de nossos defeitos. Para evitarmos esse estado psicológico
desagradável, não aceitamos tal revelação e para escondê-lo, partimos para o
ataque sob formas de mecanismos de defesa - daí
saem os mais absurdos disparates, isto é, argumentos desarrazoados. Outra possível resposta para essa questão
pode ser apresentada tendo por base teórica o conceito do psicanalista húngaro
Sándor FERENCSI sobre o que ele define como caráter. A esse respeito,
ele afirma que os traços de caráter são geralmente egossintônicos. Mesmo em nível patológico, esses traços passam
despercebidos pelo sujeito por considerá-los normais – quem é chato não se acha
chato. Da mesma forma, quem é alienado, arrogante, orgulhoso, fanático etc. não
se vê assim.
Por isso, afirmamos: “Precisamos,
SIM, de uma lingüística aplicada ao ensino de línguas estrangeiras - CRÍTICA,
neste país para a formação dos profissionais que atuarão nessa área”.
A propósito, a era
pós-moderna situou o cidadão em duas sociedades: uma é a sociedade concreta e a outra é uma
abstração da primeira, por isso herda e reveza características idênticas . O
processo de emigração dos cidadãos das sociedades concretas para as sociedades
virtuais foi rápido. Por analogia, podemos citar que o mesmo fenômeno
observável nas relações interpessoais concretas e alienadas nos grandes centros
de burburinhos das cidades, é real
para as virtuais. Dito assim, nesse
contra-senso, por oximoro, como um
paradoxo para sair do real e se adequar à natureza dos aspectos da realidade virtual. Nada melhor para
ilustrar um modelo de comunhão fática nas sociedades virtuais do que os twitters (do inglês – gorjeios; piados)
que o “abstrator” utiliza para se mostrar presente nesses lugares. Geralmente,
esse processo se dá por aquelas pessoas que preferem gorjear, piar, ou “twittar”
em linhas abertas a terceiros – o sujeito envia para um colega uma mensagem,
mas o objetivo é que esta seja vista por outrem. A esperança de que terceiros
que habitam o imaginário dos twitteiros
irão ler essas mensagens forma um esquema de gratificação intermitente
responsável pela manutenção dos diálogos frívolos: - “E aí, galera! Hoje é
sábado. Que tal uma bem geladinha mais tarde lá no Schinnaum?” – “Tô nessa, ô, Bebeto. A doidinha aqui também tá
ligada”. - Bebeto é o cara, comenta o
bisbilhoteiro e gratifica, assim, o
twitteiro alienado.
Bom, agora está na hora
de nos recolhermos à nossas relações pessoais.
Relação pessoal
alienada: situação em que o indivíduo perde o contato com seu
verdadeiro eu, e sente-se como coisa, mercadoria no mercado das personalidades.
A
esse respeito FROMM, citado por COTRIM (1999, pg. 34) afirma que
“Como o homem
moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e mercadoria a ser vendida no
mercado, sua auto-estima depende de condições que escapam a seu controle. Se
ele tiver sucesso, será “valioso”; se não imprestável. O grau de insegurança
daí resultante dificilmente poderá ser exagerado”
Sucesso é
a palavra-chave. Uma vez mercador e mercadoria (objeto de consumo) ao mesmo
tempo, o que importa nessas circunstâncias, é o êxito que dependerá, também de
circunstâncias específicas – as oportunidades,
das habilidades naturais e/ou promocionais que o “sujeito” tiver a sua
disposição para conseguir se vender nas salas VIP’s do mercado das
personalidades. O “sujeito” (indivíduo subjugado) almeja, a todo custo, vender
socialmente sua imagem por meio do sucesso profissional e, com isso, ter
sucesso financeiro. Incluem-se, também, dependendo da especificidade do que se
pretende vender: sucesso político; sucesso esportivo, sucesso sexual e, entre
outros, o sucesso intelectual.
Neste
último caso, contempla-se o saber
científico alienado. À vista disso a paranoia da plataforma Lattes
estimulou a produção de verdadeiros artigos de vaidades. Estes, em sua grande
maioria, são elaborados, simplesmente para satisfazer uma
compulsão narcisística nos moldes das condições pós-modernas. A moda, agora, é lançar tudo que for de
autopromoção na rede virtual de comunicação telemática. Muitos “pesquisadores”
são incitados por motivações alheias aos
objetivos aparentes do que se propõem, pois servem, muito mais, para promover a
imagem de si, nessa nova sociedade virtual, do que mesmo ao grande esforço do
que vem a ser, genuinamente, uma boa contribuição social. Na verdade, o currículo
na plataforma lattes tem se tornado
um verdadeiro diário de bordo, um
livro-de-ponto virtual ou visitas
diárias e compulsórias como aquelas de
adolescentes ensimesmados em suas
necessidades de anotar tudo nas agendas de outrora as ações do dia-a-dia. Enquadram-se nesse
grupo os ignorantes intencionais em
suas respectivas especificidades do saber científico. A reificação do
sujeito, nessas condições, se dá
quando, o “pesquisador”, ao tornar
público sua lida acadêmica nas plataformas lattes
da vida por motivação extrínseca e, em outras instâncias, muitas vezes movido
por um alto nível de baixa auto-estima, só está querendo reafirmar o seu valor
comercial. Torna-se ”coisa” nesse processo de reificação do sujeito. Porém, esse fato serve, também, para legitimar o seguinte dito popular “As coisas vêm de
onde menos se espera”.
Portanto, são por essas
razões que, hoje, em tempo bastante remoto da filosofia clássica II dos séculos
V e IV a. c., este projeto é elaborado, no âmbito da UERN, e lançado à sociedade, como um desafio às adversidades
hodiernas, no intuito de despertar a
consciência crítica dos cidadãos desta
sociedade e mostrar-lhes, sob os múltiplos olhares dos grandes
pensadores, que ainda continuamos a
interpretar projeções (sombras, silhuetas, fachadas, fuligens) do que se nos dá
a luz daquilo que vem a ser, na alegoria platônica da idade antiga, o mito da caverna.
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