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Agatonismo

HOMOFOBIA: uma formação reativa e outros mecanismos de defesa em ação.
Por
Gilmar Henrique
Professor do Curso de Letras – UERN/Campus de Mossoró
perspectivas psicodinâmicas, ideológicas e linguísticas  ( Parte 1/3)

Conflitos externos (no ambiente) ou intra-psíquicos (no indivíduo) causadores de ansiedade são transtornos inevitáveis da condição humana no meio social. Todo indivíduo, logo de início e por meio da linguagem, é submetido e condicionado a uma macroestrutura social constituída de liames utópicos (noutro lugar, fora do humano) artificiais e ideológicos cheios de preceitos religiosos, políticos e culturais. Todos esses preceitos são valorativos e são incutidos na mente humana como qualidades  naturais pelas quais se determinam o valor do “sujeito” na sociedade. Por isso, essas qualidades fictícias e prescritivas que transformam idéias em realidades são “percebidas” pelo individuo como  indissolúveis e atinentes a sua natureza ontogenética.
Mais cedo ou mais tarde, por serem utópicos, esses ditames ideológicos entram em conflito com a realidade psíquica de cada um membro dessa sociedade provocando um verdadeiro desconforto emocional que se torna, em muitos casos, patológico. Foi observando esse desconforto coletivo que o Sigmund Freud cunhou a célebre frase: o mal-estar na civilização e se propôs, desde então, a descrever esses transtornos emocionais (presentes em cada um) e suas conseqüências na vida cotidiana.
Em relação a comportamentos homofóbicos, será apresentado, circunstancialmente e nos limites do estilo, apenas três mecanismos de defesa: a formação reativa, a projeção e a racionalização por estarem, os três, mais estritamente relacionados com o tópico supracitado.
 Mecanismos de defesa são estratégias utilizadas pelas pessoas com a finalidade de reduzir, inconscientemente ou não, a ansiedade sem lidar com sua verdadeira causa.
No entanto, é necessário, como propedêuticos, compreendermos os conceitos de neurose e seus sintomas específicos:   a ansiedade e a angústia, haja vista o fato de que, esses sintomas geram mecanismos de defesa  que implicam em distorções do real em conseqüências dos transtornos neuróticos.
Para Freud, uma neurose representa uma falência ou colapso emocional decorrente de conflitos intrapsíquicos provocados por desejos, idéias ou fatos inaceitáveis, como por exemplo, a consciência de estar com uma enfermidade letífera ou ter um impulso instintivo sexual socialmente inaceitável.  A  pedofilia é um exemplo disso. Um individuo, heterossexual ou não, com uma parafilia sexual socialmente inaceitável, seja ela qual for,  não tem culpa de sentir o desejo que tem, infelizmente, associado a uma necessidade instintiva, exigente e imperiosa,  mas terá  e poderá ser culpado e punido se a praticar. Portanto, para proteger que o aparelho psíquico (id, ego e superego) entre em colapso devido ao registro dessa percepção dolorosa a respeito de si mesma, a pessoa cria inconscientemente estratégias para afastar conteúdos desagradáveis ou inaceitáveis de sua memória. Para isso é necessário distorcer, involuntariamente, a realidade, apreendendo-a e compreendendo-a  da forma como ela não é para que seja possível canalizar e investir toda aquela energia reprimida (recalcada), porém exigente em outras atividades mais socialmente aceitáveis (o que nem sempre acontece). Essas estratégias para deformar a realidade em prol de uma “estabilidade” emocional são o que se chamam em Psicanálise de mecanismos de defesa.
Quanto aos  sintomas da neurose estão, entre eles, a ansiedade e a angústia. Aquela pode ser definida como uma resposta emocional que se caracteriza em um estado total de apreensão e inquietação provocando, no indivíduo, conseqüências fisiológicas desagradáveis tais como taquicardia,  sudorese e calafrios. Já  o segundo sintoma, a angústia, se reveste de sensação de desespero e desamparo psíquico perante um perigo real ou imaginário. No primeiro caso há uma ameaça externa, no ambiente. No outro, há um  medo da materialização da idéia, do desejo ou da fantasia. Neste caso, o conflito é interno e se dá quando o ego se sente subjugado e com medo de perder o controle da situação perante às exigência impetuosas do material reprimido que agora ameaça romper com as defesas do ego em busca de alívio e satisfação. É aí que entram os mecanismos de defesa como  tentativas de evitar que o sujeito entre em colapso total.
Os elementos ilusórios, simbólicos, imaginários e paliativos dos processos que levam a efeito a distorção do real por meios de mecanismos de defesa são muitos e cada qual com suas infinitas especificidades. Por esse motivo, será definido, aqui, por intenção de propósitos, apenas os seguintes: recalque, deslocamento, fantasia, formação de reação, projeção,  e racionalização. Sendo os três primeiros apenas para explicar e exemplificar o que se caracteriza em um mecanismo de defesa e os outros três para propósitos relacionados ao tema.
Para começar, o  recalque é o mais radical dos mecanismo de defesa a ponto de fazer com que o indivíduo seja incapaz de “ver” ou “escutar” o conteúdo que lhe causa ansiedade.  Há uma repressão total da realidade na qual o que ocorre é interpretado de outra maneira. Esse bloqueio impede que o indivíduo veja a realidade e possa enfrentá-la com eficácia. Esse é um mecanismo de defesa muito comum nas pessoas radicais, fanáticas e intransigentes. A final de contas, é exatamente o recalque o que as tornam assim. Por exemplo, por mais que se diga a um alcoólatra que ele está bêbado, ele insistirá contradizendo que está sóbrio porque tomou “apenas” vinte, trinta, quarenta doses.
É bom lembrar que, por impaciência ou não, o próprio Sig se recusava a tratar pessoas recalcadas, ou seja, pacientes que reprimiam a expressão de uma realidade psíquica socialmente inadmissível.
O  deslocamento se caracteriza como um desvio de energia instintiva proibida ou indisponível para uma atividade alternativa e disponível semelhante ao desejo original, conferindo-lhe satisfação paliativa. Há dois tipos básicos de deslocamentos: o deslocamento de objeto e o deslocamento de impulso.   No primeiro caso, um sentimento em direção a um indivíduo se encontra indisponível ou de difícil realização, então a pessoa redireciona essa energia e a descarrega em um outro indivíduo. Há deslocamento de objeto, por exemplo, quando um trabalhador recebe uma grande bronca do seu chefe e fica enfurecido. Sem condições, para não piorar a situação, de descarregar sua raiva diretamente contra seu agressor,  o faz contra sua esposa ou contra uma outra pessoa menos ameaçadora (o senso comum chama isso de covardia).  Outro exemplo pode ser quando uma mulher ou um homem com um grande desejo de ser mãe ou pai e não consegue realizar esse desejo  canaliza toda sua afeição materna ou paterna para uma pessoa mais jovem ou para um bichinho de pelúcia.
O segundo, o deslocamento de impulso ocorre quando impulsos instintivos de agressão ou sexuais básicos não podem ser manifestados de forma direta, então, para evitar um estado permanente de frustração, o que compromete o bom funcionamento do indivíduo no meio social, a pessoa recorre a uma saída substituta de gratificação. Os deslocamentos são bastante  variados porque depende de pessoa para pessoa. Por exemplo, um sujeito com instinto sexual agressivo pode desviar essa energia para esportes  radicais ou para outras profissões na qual a agressão faça parte do trabalho. Nessa perspectiva, muitos aficionados a artes marciais, brigas de animais, rituais de magia negra, filmes violentos, facções terroristas e outras coisas do gênero, podem ser pessoas imersas num sistema catártico de gratificação.
Já a fantasia pode ser definida como um recurso imaginário utilizado pelo ego para satisfazer um desejo de difícil realização do id reprimido pelo superego (consciência social).
Por uma questão de preservação da espécie, os desejos socialmente inadmissíveis canalizados para as fantasia e para deslocamentos  encontram alternativas de expressão concretas para o desenvolvimento social.
O ser humano recorre às fantasias e aos deslocamentos quando seus desejos  chegam ao limiar de suas condições físicas e nenhum outro passo a diante possa ser dado sem que haja conseqüências negativas, então é exatamente aí onde entra a arte em suas várias formas de expressões: literatura, cinema, pintura, entre outras, dando à luz a todo o processo de civilização.
 As artes se constituem num efeito positivo de um mecanismo de defesa que se chama sublimação.
 Analisando textos literários, parece não haver sequer nenhum capricho da natureza humana que ainda não tenha sido, devidamente, descrito pelos os poetas da vida, desde os trovadores e menestréis da idade média até os folhetinistas  de literatura de cordel dos dias de hoje, nem tão pouco tenha sido realizado nos estilos imagéticos cinematográficos. Isso ocorre porque a catarse ou ab-reação se dá por meios de palavras e imagens que no plano individual pode se expressar de qualquer forma, porém no plano público foi necessário criar uma outra estratégia que se chama arte.
 Em suma, se não fosse o processo de sublimação, nenhum de nós estaríamos aqui agora lendo este texto simplesmente porque nossos indomáveis ancestrais já teriam devastado o mundo inteiro.


HOMOFOBIA: uma formação reativa e outros mecanismos de defesa em ação. (Parte 2/3)

Esses são os três mecanismos de defesa  supracitados que extraímos da psicodinâmica como respaldo teórico para explicar os comportamentos e manifestações hostis  (neurose fóbica) contra cidadãos, declaradamente, aficionados às práticas sexuais congêneres (do mesmo sexo):  formação reativa,  projeção e  racionalização.
Em formação reativa, um desejo inaceitável e, por isso, causador de ansiedade é, inconscientemente, substituído por um comportamento exagerado em direção à expressão de um desejo oposto. A pessoa tenta esconder de si mesma um desejo desagradável que, por ser intrínseco, requer um esforço maior por parte do sujeito para obnubilar o desejo latente, por exemplo, o ressentimento é substituído pela afeição exagerada; o ódio pelo amor exagerado; a volúpia pelo comportamento puritano exagerado, a inveja por uma admiração exagerada  e assim por diante.
 Literalmente,  formação reativa é um investimento contrário a um desejo recalcado (reprimido) que se materializa em ações de virtudes morais levadas ao extremo. Por exemplo, uma mulher no período de gestação resolveu tomar substâncias abortivas que não surtiram efeitos. Quando a criança nasce e a mãe olha para aquele filhinho indefeso, seu instinto materno, até então “adormecido”, entra em ação e provoca nela um grande remorso por ter pensado e agido contra a vida de seu próprio filho. Daí em diante, para afastar essa terrível lembrança da memória, a mãe superprotege seu filho com dedicação, amor e carinho exagerados que acabam prejudicando o desenvolvimento saudável da criança como um todo.
Focalizando este mecanismo de defesa em pessoas que o utiliza para esconder de si mesmas e da alteridade seus desejos homoeróticos latentes, vemos, com clareza, que essas pessoas encontram, logo de início, dois canais de saídas que se opõem ao desejo original: o complexo de Don Juan e a aversão extrema, ou seja, a homofobia. No Don Juanismo masculino, o homem demonstra interesse sexual excessivo por pessoas do sexo oposto. Esse interesse insistente e de longa data lhe confere habilidades excepcionais de charme e conquistas compulsivas. Por serem compulsivas, nenhuma mulher é exatamente quem ele realmente quer. Suas “vítimas” prediletas são exatamente mulheres  “difíceis” ou “proibidas” (casadas, por exemplo) que correspondem às dificuldades de realização do desejo original. As mulheres mais acessíveis, as “fáceis”, percebem o esforço do “galã” e, movidas pela necessidade de se sentirem importantes (“difíceis”), logo se lançam no meio (entre o galã e a “difícil”)  e se apaixonam por ele. Por isso, o Don Juan está sempre muito bem cercado de mulheres (bonitas, diga-se de passagem).
A projeção é outro mecanismo de defesa que, por ser muito comum no nosso cotidiano, complica demais as relações interpessoais. Nessa situação o indivíduo projeta no outro ou no mundo exterior traços indesejáveis de sua própria personalidade sem si dar conta de que aquilo que foi projetado é exatamente o que ele detesta nele mesmo. Há um ditado popular que diz:  “todo velhaco é bom cobrador”. Essa desconfiança excessiva de que o devedor não  irá cumprir com o acordo preestabalecido e passa a importuná-lo com cobranças excessivas, parte do princípio de que ele mesmo não cumpre com seus próprios compromissos.  Outro exemplo é a esposa que está o tempo todo acusando o marido de infidelidade conjugal quando é nela que está o desejo de  ser infiel.
 É um grande sinal de projeção de homossexualidade latente quando um jovem fica constantemente  duvidando da condição heterossexual dos colegas, criticando-os e taxando-os de homossexuais. Porém o caso se torna bastante sério na esfera social quando uma pessoa ataca verbalmente ou lança um objeto para ferir ou repudiar um outro que é declaradamente percebido como homossexual. Para isso é necessário realmente fazer uma projeção, ou seja, o indivíduo homofóbico tem que sair de si e projetar-se no outro para facilitar o ataque. Esta situação já revela um alto nível de acometimentos neuróticos que precisam urgentemente de intervenção psicoterapêuticas.
 A projeção pode ser usada também como uma forma de aceitação quando o indivíduo projeta seus traços “indesejáveis” em pessoas famosas. Quando isso acontece ela se consola pensando que  não é tão ruim ter tal tendência já que Fulano de Tal que é tão “importante” também é assim. Um efeito negativo na pessoa que assim procede é que ela passa muito tempo de sua vida bisbilhotando vidas alheias enquanto deixa de fazer coisas mais importantes para si mesma.
Outro fenômeno que pode ser percebido como uma projeção patológica se dá quando uma certa aversão não está especificamente ligada a uma causa. Muitas vezes percebemos que certas pessoas entram em pânico ao se depararem com, por exemplo, sapos (batracofobia - medo excessivo a sapos, ou anfíbios) e não entendemos o motivo da manifestação histriônica (teatralização) de tão elevado grau de pavor e desespero. Não é do sapo mesmo que elas têm aversão. O problema pode estar noutro lugar. Pode ser algo que elas consideram “feio” dentro de si que se projeta na “pobre” criatura que, sem ter culpa, paga um preço alto pela ignorância de um agressor  “racional”.
Finalmente, chegamos nas racionalizações - as famosas “desculpas e pretextos” da vida cotidiana. Na racionalização o individuo elabora um argumento para dissimular o motivo real porque a percepção desse real é bastante desagradável para a pessoa, para o outro ou para ambos. Então, ela distorce essa percepção elaborando um argumento racional e plausível como forma de se justificar. Vejamos alguns exemplos de racionalização em escala ascendente de efeitos nocivos:
·         Um aluno não consegue aprovação no final de uma disciplina, então, ele comenta:  “’Na verdade’, eu não tive tempo para estudar”. Esta declaração racionalizada protege o aluno da ansiedade de ter falhado para não perder sua autoestima.
·         Um aficionado a brigas de animais, afirma enfaticamente:  “Na natureza, eles brigam assim, até a morte”. Dizendo isso, eles tentam se convencer de que não são pessoas cruéis.
·         Um detento com desejos homoeróticos estupra um outro por ter estuprado uma vítima. Então, oferece a seguinte racionalização:   “Dente por dente, olho por olho”. Ora, qualquer indivíduo do sexo masculino, seja ela qual for sua predileção sexual, sabe, e muito bem,  que a ereção erótica só ocorre quando há atração libidinal. O resto é puro pretexto.
·         Um sujeito sádico violenta e mata uma prostituta e depois apregoa: “A fornicação é um pecado abominável aos olhos de Deus”. “Temos que cortar o mal pela raiz” (o mal é ele mesmo. Nesse exemplo, o criminoso tenta se justificar na religião. Nesse sentido, tudo indica que muitos rituais religiosos foram criados por sociopatas para disfarçarem desejos sádicos).
·         Um indivíduo lidera campanha a favor da pena capital, dizendo:  “Que  justiça seja feita: quem com o ferro fere com o ferro será ferido”. Muitas vezes, podemos ver aí um sujeito com alto grau de necrofilia ou sadismo extremo querendo pegar carona na justiça.

O grande problema nisso é que a pessoa coloca o bem a serviço do mal. Ela utiliza a lei, a justiça, a religião, isto é, os “valores culturais” de um modo geral como desculpa para realizar desejos nocivos e, por essa razão, muitas pessoas de mal caráter se passam despercebidas por  estarem diretamente envolvidas nessas questões. Os mais espertos pensam: “para que fazer o mal fora da lei se o indivíduo (esperto) consegue fazê-lo de acordo com ela”. Resumindo, tudo aquilo que se oferece em prol de si sem ser o motivo real, chama-se em psicanálise de racionalização. Convém salientar que a racionalização é a estratégia predileta dos sociopatas,  aqueles que o cinema estadunidense popularizou com o termo psicopata. 
É mister também esclarecer neste ponto que existe uma grande diferença entre aquelas pessoas que utilizam uma racionalização como forma de evitar um transtorno emocional e os sociopatas -  indivíduos “pobres” de emoção, apáticos e sem remorsos.
Agora, trazendo estas questão para manifestações homofóbicas podemos asseverar que apenas os sociopatas utilizam a racionalização sob pretextos religiosos, políticos e culturais para convencer os neurofóbicos (aqueles que a utilizam, sem perceber, como forma de evitar sofrimento emocional devido à ideologias) a se unirem a eles nesses ataques como uma estratégia de por em prática seus desejos antissociais. Diga-se de passagem que o Nazismo e “A Santa” Inquisição da igreja católica na Idade Média são fatos que ilustram o mal em nome do bem, em outras palavras, sociopatas utilizando-se de “valores” culturais para praticarem o mal.
As principais características que definem um perfil de uma pessoa com transtorno de personalidade antissocial são: superficialidade nas relações interpessoais; falta de reciprocidade para com os amigos; pobreza de emoções; frieza de sentimentos; incapacidade de sentir culpa ou remorso; não sente ansiedade; são astuciosos e manipuladores; . No ambiente profissional, os sociopatas são muito obsequiosos para com seus superiores e indiferentes para com os de nível hierárquico inferior; eloqüentes;  megalomaníacos e ambicionam cargos de liderança. A convivência com sociopatas é insuportável. Amizade ou outro tipo de envolvimento  é unilateral e quem o mantém é a outra parte que geralmente é um masoquista que precisa desse tipo de relacionamento doentio.  Para os sociopatas as pessoa estão aí apenas para serem usadas e manipuladas. As pessoas de senso comum costumam chamar essas pessoas de vigaristas, trapaceiros, tratantes e entre outros.

HOMOFOBIA: uma formação reativa e outros mecanismos de defesa em ação.

Por
Gilmar Henrique


perspectivas psicodinâmicas, ideológicas e lingüísticas  (Parte 3/3)

Mas o que ideologias e linguagem têm a ver com tudo isso?  Ideologia pode ser definida em síntese e também em resumo como um conjunto de concepções de “valores” de certos grupos, religiosos ou seculares, que promovem movimentos sociais com objetivos de influenciar os modos de pensar, sentir e agir da sociedade como um todo. Coutrim (1999. 63) apresenta uma definição lacônica de ideologias e outros conceitos correlacionados e corolários:

·         Ideologia: sistema de idéia que elabora uma “compreensão da realidade” para ocultar ou dissimular o domínio de um grupo social sobre outro. ... A ideologia atua como uma forma de consciência parcial, ilusória e enganadora que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumento de dominação.
·         Doutrina ideológica: concepção fechada, rígida, unilateral, lacunar. Estabelece “verdades” para sustentar desejos ocultos.
·         Racionalização: além do significado básico de “tornar racional”, significa também a tendência para procurar argumentos e justificativas para crenças ancoradas em preconceitos, emoções, interesses pessoais ou hábitos arraigados.

Conceitos de longa data, mas ainda bastante atuantes nas sociedades “hodiernas”,  ideologia se apresenta e se projeta no grupo social por meio de um processo de “racionalização”.que mascara os interesses de uma classe ou grupo dominante para justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade.
Nessa concepção, fica claro perceber que ideologia se opõe ao pensamento analítico e por esta razão,  se contrapõe aos princípios metodológicos da ciência.
Quanto à linguagem, foi somente a partir do inicio do século XX que o signo lingüístico, ou seja, a palavra,  passou a ser percebido como um elemento de criação ideológica. Um falante ao proferir uma palavra a seu interlocutor transmite, por meio dela, valores sociais e, concomitantemente, seu posicionamento em relação a esses valores. Para Bakhtin todo signo lingüístico carrega em si os valores ideológicos da sociedade da qual o individuo pertence. Esta proposição quebrou, radicalmente, aquela concepção de análise semântico-gramatical de até então. Isso significa dizer que, tomando, por exemplo, a palavra homem, que antes era analisada apenas nas esferas semântico-gramaticais, temos: homem: a) - Categoria sintática: substantivo masculino; b) Categoria semântica: Qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva; o ser humano (dic. Aurélio). Porém, hoje,  nas análises da lingüística sincrônica,  a palavra homem tem tudo a ver com o comportamento desse indivíduo na sociedade prescrito por uma ideologia cultural predominantemente histórica e de cunhos político e religioso.
Nesse sentido pode-se dizer que toda língua natural é formada por signos ideológicos com função de sistema modelizantes de comportamentos sociais. Daí elicia-se conclusões de que o comportamento do ser humano é duplamente programado: 1º -  por um código genético, herdado de seus antepassados; e 2º -  por um código lingüístico-ideológico, aprendido de seu grupo.
Uma outra questão a respeito da linguagem é que a formação psíquica do indivíduo, ou seja,  suas habilidades mentais, suas condições de pensamentos e sua personalidade como um todo se fazem, logo no início de sua primeira sociabilização, por meio da internalização do novo código lingüístico-ideológico.
Consideremos agora as metonímias que são as principais implicações lingüísticas diretamente relacionadas às neuroses fóbicas homoeróticas porque pessoas com desejos homo-eróticos não são definidas como o que realmente são: HOMENS e MULHERES, mas por outros termos pejorativos que degradam o valor desses indivíduos perante seus semelhantes.
 Toma-se por metonímia  uma figura de linguagem que se usa para estabelecer uma relação de causa e efeito entre o objeto e uma de suas características. Sendo assim, em todos os traquejos sociais podemos perceber com os exemplos a seguir os desvios de valores quando trocamos o nome próprio por  metonímias: rasga-mortalha em vez de coruja; homem gillet ou cachoro em vez de homem sexualmente eclético, negro ou negra em vez de homem ou mulher; veado em vez de homem; sapatão em vez de mulher. Num ambiente profissional os vocativos professor ou professora  em vez dos nomes do sujeito pode causar constrangimento se este profissional retribuir a metonímia dizendo: “Pois, não aluno”. “Pois, não servente”. “Bom dia, zelador”. “Até amanhã ASG”, etc.
 Todos esses termos estão dentro do mesmo plano metonímico de substituição e distanciamento do sujeito e a utilização desses termos, ainda que inconscientemente, não é aleatória. Seu teor lingüístico-ideológico no plano real sintagmático se contrapõe a um vasto leque de palavras à disposição da escolha do emissor do discurso no plano também lingüístico-ideológico em suas relações paradigmáticas.
O resultado disso tudo é que o ser humano de múltiplas habilidades e emoções idiossicráticas tem que abrir mão de todo o seu potencial ontológico simplesmente para se adequar aos ditames de certas facções políticas e ideológicas. O indivíduo de senso comum não se dá conta de que está dentro dessa atmosfera de forças ideológicas e acreditam piamente (religiosamente) nas vozes que circulam em seu meio social.

Existem outras perspectivas psicológicas, filosóficas e de outras áreas do saber com outros pontos de vista em relação a esta questão, porém todas elas se imbricam com o poder das ideologias objetivas e seus valores morais no processo de dominação, unificação e reificação do sujeito e o solipsismo (ideologia subjetiva) seria uma resposta radical na qual o sujeito se recusa a ser reificado, mesmo que, com isso, a fortiori, pague o  preço do ostracismo do convívio social que corresponde ao lado posterior do valor da moeda. Por outro lado, o valor pago pelas  pessoas da primeira face da moeda torna-se bem mais alto pela manutenção diária da teoria do modelo que sempre inflaciona. Não há nada mais caro do que a manutenção de uma aparência. Portanto, levando em consideração as explicações da perspectiva psicodinâmica das teorias freudianas e das teorias da lingüística, podemos inferir que os comportamentos aversivos e exagerados sob formas de discriminação (violência psíquica) e agressão física por preconceito (idéia mal concebida, distorção do real), apontam para um “sujeito” imaturo, tentando, desesperadamente,  defender e manter sua estabilidade emocional por meios de formações reativas e outros mecanismos de defesa.
Haja vista os fatos supracitados podemos concluir que uma pessoa “vítima” de um mecanismo de defesa, uma projeção ou um deslocamento  de afeto, por exemplo,  geralmente não entende porque está sendo tão bem ou tão mal tratada  por certas pessoas e cismam – por que será que ela ou ele gosta tanto de mim? Ou – por que será que me odeia tanto? O que foi que eu fiz ou deixei de fazer? Por outro lado, o sujeito da ação também não tem consciência do motivo que o impulsiona a fazer o que faz. Na maioria das vezes quando a pessoa pára para refletir consegue apenas conceber racionalizações. O papel da psicanálise com seu método interpretativo é procurar, exatamente,  desvendar o motivo real das ações sintomáticas, ou seja, sua origem instintiva. O material usado pelos psicanalistas para chegar ao inconsciente são os sonhos, as associações livres, os chistes, as chacotas e os atos falhos (lapsos de linguagem e esquecimentos). Uma vez consciente dos reais motivos por trás das ações, fica bem mais fácil, para o “sujeito”, adotar atitudes mais realísticas e saudáveis perante as adversidades da vida cotidiana. Por isso, nada mais necessário e gratificante para o ser humano do que dar um bom “banho de luz” em suas emoções e sentimentos por serem eles os fatores que determinam a qualidade de vida de cada um dos indivíduos representante dessa espécie.